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Ana Rita Maciel

Arquivo morto vs. arquivo vivo: uma dicotomia controversa

Atualizado: 25 de fev. de 2019

Falar em arquivo vivo pressupõe que exista um arquivo morto, expressão que tanto Susana de Sousa Dias como José Manuel Costa recusam com veemência. Todas as imagens ganham vida no momento em que entram pela porta do arquivo


São 14h e o Auditório 1 da torre B da NOVA FCSH ainda não está cheio. Apesar de se fazerem notar algumas cadeiras vazias por entre as fileiras, a plateia já presente mostra-se animada para o começo da masterclass dinamizada pelos oradores Susana de Sousa Dias e José Manuel Costa. A cineasta e o Diretor da Cinemateca Portuguesa inauguram o segundo dia do CINENOVA com uma aula aberta sob o tema “Cinema e Arquivo”, que promete prender a atenção dos amantes de cinema e não só. Quinze minutos decorrem e Margarida Medeiros, coordenadora da licenciatura em Ciências da Comunicação da faculdade, procede à apresentação elogiosa dos convidados.



José Manuel Costa, de ar simpático e divertido, começa por relatar a sua visita a Berlim, onde esteve confrontado com um projeto desenvolvido pelo “Arsenal – Institute for Film and Video Art E.V”, intitulado “Living Archive”. Foi nessa altura que assistiu ao confronto entre as expressões “arquivo vivo” e “arquivo morto”. O Diretor da Cinemateca Portuguesa assume-se, num sentido radical, um militante contra a expressão “living archive”, uma vez que falar em arquivo vivo pressupõe que exista um arquivo morto, o que constitui um contrassenso. Pensar que quando uma obra não está a ser projetada, está morta, é errado. “Independentemente do grau de interesse que as comunidades cinematográficas têm perante uma ou outra obra, as imagens estão vivas sempre que entram no arquivo”, defende.


Tal como explica José Manuel Costa, cada vez que uma imagem entra no arquivo, inicia-se uma ideia de trabalho arquivista. A primeira tarefa passa pela pesquisa de imagens, segue-se a conservação de materiais, a preservação das obras, a catalogação e, por fim, a programação. Quanto à catalogação ou não catalogação de um filme, o Diretor da Cinemateca Portuguesa explica que “se as obras não estiverem catalogadas é o mesmo que encher um cubo cheio de filmes, sem que haja uma porta de acesso que permita lá entrar. Catalogar é furar uma parede para encontrar algo”. Para clarificar esta ideia, faz referência ao cinegrafista Bolesław Matuszewski, que alertou para a necessidade de o cinema começar a conservar imagens que iriam ser, no futuro, uma nova fonte de história.


Também Susana de Sousa Dias enfatiza a importância de Matuszewski no mundo do cinema, enquanto figura que lançou as suas bases e que chamou a atenção para o cinema como a prova mais fiável de que alguma coisa aconteceu. Para este, o cinema torna as coisas mais lentas ou mais aceleradas, de modo a vermos algo que não poderíamos ver de outra forma.


A cineasta, que faz dos arquivos do Estado Novo o grande mote para os seus trabalhos, corrobora a descrença de José Manuel Costa quanto à expressão “arquivo morto”. “Se o arquivo está morto é porque está fechado e ninguém tem acesso”, assegura a também professora na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa.


Após 1h30 desde o começo da sessão, Susana de Sousa Dias encerra a conversa, apelando à reflexão da audiência. “Vivemos em excesso de imagens, mas há muita coisa que não está visível e deve ser pensada”, afirma, em clara referência à capacidade de a câmara filmar aquilo que, anteriormente, as pessoas não sabiam que estavam a ver.

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